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Agricultura em estado de emergência: a estiagem de 1995 em Santa Catarina – Brasil[1]
(Resumo expandido de trabalho já realizado)
Luís Guilherme Fagundes[2]
Em 15 de dezembro de 1995, a capa do principal jornal de Santa Catarina, o Diário Catarinense, estampava a seguinte manchete “Estiagem deixa agricultura em estado de emergência”.[3] Nas páginas seguintes, a reportagem alertava para a crítica situação em que vários municípios catarinenses se encontravam devido à falta de chuvas na região Sul do Brasil. Naquele momento a estiagem chegava ao seu sexagésimo dia e os prejuízos em diversos setores da economia já começavam a ser contabilizados. Na região Oeste, a mais afetada, a produção agrícola foi intensamente prejudicada, assim como nas regiões Sul e Serrana. Nas regiões do Vale do Itajaí e Metropolitana de Florianópolis a principal preocupação era com o abastecimento para a indústria e para o consumo doméstico.
No dia anterior, os trinta prefeitos dos municípios que integravam a Associação dos Municípios do Oeste de Santa Catarina (Amosc), haviam se reunido em Chapecó, para discutirem medidas de resposta ao desastre. Além de decretarem estado de emergência coletivamente visando a obtenção de recursos emergenciais, eles enviaram ofícios ao Presidente da República Fernando Henrique Cardoso, ao Ministro da Agricultura, José Eduardo Andrade Vieira e também ao Governo do Estado de Santa Catarina e à Secretaria da Agricultura do Estado, explicando a delicada situação do Oeste catarinense e pedindo auxílio para minimizar os prejuízos.
Nesta região, as culturas mais afetadas foram a de milho e de feijão, que acumularam perdas entre 40 e 70% nos municípios localizados nas margens do rio Uruguai.[4] Da mesma forma, na região Serrana as plantações de milho e feijão contabilizavam prejuízos em torno de 30 a 40%, e apesar de a pecuária não ter sido tão afetada, todos os municípios ficaram em estado de alerta.
Na região Sul do Estado, as localidades mais afetadas foram o Vale do rio Araranguá e a zona rural de Tubarão. Nessas áreas, além da redução na safra de feijão e milho, o fumo e principalmente o arroz irrigado, sofreram enormemente com a falta de água, este último com uma redução de até 50% na produção. Segundo o prefeito de Tubarão, Irmoto Feuerschuette, com a falta de chuvas, as águas das lagoas e alguns rios do município sofreram um processo de salinização e a utilização dessa água para irrigar as plantações de arroz se tornou altamente prejudicial.[5] Para o secretário de Desenvolvimento Rural do município de Tubarão, Dionísio B. Lemos, a situação tinha outros agravantes: “além destes dois problemas temos ainda a questão das águas poluídas por resíduos de carvão e dejetos de suínos”.[6]
Percebe-se na afirmação de Dionísio B. Lemos que a escassez de água em Tubarão durante a primavera de 1995 foi em parte ocasionada por fatores naturais (diminuição das precipitações), mas também por fatores antrópicos, haja vista que as atividades econômicas praticadas no município comprometeram a disponibilidade de água potável. Todos os principais rios da região Sul de Santa Catarina são considerados poluídos ou intensamente poluídos em seu médio e baixo cursos, principalmente por resíduos da extração de carvão, agrotóxicos e efluentes orgânicos e tóxicos.[7]
Em meio as notícias sobre os prejuízos provocados pela estiagem, foram publicadas algumas matérias no Diário Catarinense que apontavam para o que teria causado tamanha diminuição na quantidade de chuvas durante a primavera de 1995. Os técnicos do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) associaram “a estiagem ao chamado fenômeno La Niña”.[8] Este mesmo fenômeno foi apontado pelo meteorologista Reinaldo Hass, do Instituto Meteorológico Climer, da Epagri como causador da falta de chuvas.[9]
Dessa forma, verifica-se a contribuição dos fenômenos atmosféricos para a ocorrência do desastre que assolou milhares de agricultores catarinenses em 1995. No entanto, o setor agrícola do Estado, sobretudo os pequenos agricultores, vinham enfrentando outros problemas de cunho econômico. Segundo os produtores, os transtornos climáticos só agravaram as dificuldades já vividas pelo setor agrícola, que sofria com os baixos preços dos produtos e os altos juros do mercado financeiro.[10]
Para o então ministro da Agricultura, José Eduardo Andrade Vieira, a abertura econômica e o excesso de importação de produtos agrícolas também prejudicavam o produtor nacional, levando muitos deles a falência e gerando problemas sociais graves, como o êxodo rural. [11]
Em 1994 a eficiência do Plano Real em conter a inflação, permitiu o crescimento do mercado interno de alimentos, soma-se a isso também, o bom desempenho das exportações agrícolas que fizeram com que o preço dos produtos agropecuários tivesse um aumento real. Contudo, no ano seguinte, com uma produção interna alta, importação de muitos produtos e uma política de juros altos, os preços caíram drasticamente. Pressionado pela necessidade de contenção de despesas e tendo como objetivo maior a redução da inflação, o governo optou por uma intervenção tímida, ficando para o setor agrícola a maior parte das perdas.[12]
Visando minimizar os prejuízos e socorrer os produtores de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul, o Governo Federal, através do anúncio feito pelo ministro da Agricultura José Vieira, em 22 de dezembro em Porto Alegre, definiu algumas medidas de ação. Entre elas a liberação de recursos extras para custear o replantio das lavouras atingidas pela seca; a redução da taxa do Programa de Garantia da Atividade Agropecuária (Proagro) de 5%, na média, para 2%; a implementação do salário desemprego para os trabalhadores rurais e pequenos produtores que utilizam mão-de-obra familiar e a possibilidade de inclusão dos produtores prejudicados pela seca no refinanciamento de débitos bancários. [13]
Tais medidas claramente atuaram nas consequências da estiagem, entretanto não houve uma preocupação em buscar soluções para as causas do desastre. Isso aconteceu em parte porque o evento foi considerado “natural”, sendo o fenômeno La Ninã o único “responsabilizado” pela falta de água.
Esse é um dos grandes perigos das interpretações que consideram os desastres como estritamente naturais, pois colocam os humanos como meras vítimas de uma “Natureza indomável”. Por esse motivo que os historiadores ambientais optam por chamar esses eventos de desastres ambientais ou mesmo socioambientais, assim, incluem de maneira mais evidente a participação humana na produção ou potencialização desses acontecimentos.
Constantemente o Estado de Santa Catarina é lembrado pela mídia nacional em virtude dos eventos calamitosos provocados, em parte, pelo excesso de chuvas. Foi assim nas enchentes de 1974, 1983-1984 e 2008. Contudo, as inundações não são os únicos desastres que ocorrem no Estado, além delas acontecem nas mais diversas regiões: estiagens, deslizamentos, tornados, chuvas de granizos, vendavais e marés de tempestade (ressacas).
Em nosso caso de estudo foi possível perceber que a estiagem ocorrida em 1995 provocou inúmeros prejuízos em Santa Catarina, principalmente no setor agrícola. Este, sofreu perdas significativas na produção de vários produtos: como milho, feijão, cebola e fumo. No entanto, o desastre apenas agravou o chamado “período negro”[14] em que se encontrava a agricultura catarinense, vítima sobretudo, da desvalorização dos produtos e dos altos juros praticados pelo Governo Federal.
Deve-se, portanto, considerar as estiagens como desastres ambientais de grande impacto, que afetam várias atividades econômicas como: a agricultura, a indústria, a pecuária, a geração de energia elétrica e a navegação, assim como vários aspectos da vida cotidiana. E por esse motivo merecem atenção dos poderes públicos, da mídia, dos meios acadêmicos e da população em geral, para que esses grupos possam, juntos, desenvolver formas de evitar ou ao menos minimizar esses desastres.
Referências bibliográficas
ESPÍNDOLA, M. A.; NODARI, E. S. As estiagens no oeste catarinense sob a perspectiva da história ambiental. In: 2º SIMPÓSIO INTERNACIONAL DE HISTÓRIA AMBIENTAL E MIGRAÇÕES, 2012, Florianópolis. Anais… São Leopoldo: Oikos, 2012. 1 CD-ROM.
HERMANN, Maria Lúcia de Paula (Org.). Atlas de Desastres Naturais de Santa Catarina. Florianópolis: IOESC, 2005.
HUGHES, J. Donald. An Environmental History of the world. Humankind’s changing role in the community of life. Second Edition. USA and Canada: Routledge, 2009.
SACCO, Francine G. Configurações atmosféricas em eventos de estiagem de 2001 a 2006 na mesorregião Oeste Catarinense. 2010. Dissertação (Mestrado em Geografia) – Departamento de Pós-graduação em Geografia, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2010.
SANTA CATARINA. Secretaria de Estado do Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente. Bacias Hidrográficas do Estado de Santa Catarina: Diagnóstico Geral. Florianópolis, SHR/MMA, 1997.
Lista de fontes
Estiagem deixa agricultura em estado de emergência. Diário Catarinense, Florianópolis, 15 dez. 1995.
Estiagem provoca estado de emergência em Tubarão. Diário Catarinense, Florianópolis, 15 dez. 1995.
Fenômeno. Diário Catarinense, Florianópolis, 17 de dez. 1995.
Governo dá crédito para o produtor. Diário Catarinense, Florianópolis, 18 dez. 1995.
Quadro demonstrativo. Diário Catarinense, Florianópolis, 15 dez. 1995, p. 24.
SOUZA, Admir Tadeo de. et. al. Síntese Anual da Agricultura de Santa Catarina. v.1. Florianópolis: Instituto Cepa/SC, 1996.
Técnicos avisam que as perdas são irreversíveis. Diário Catarinense, Florianópolis, 16 dez. 1995.
Vieira ataca importação de produtos agrícolas. Diário Catarinense, Florianópolis, 19 dez. 1995.
[1] Este texto é um resumo expandido elaborado com base no artigo “Agricultura catarinense em estado de emergência: a estiagem de 1995 sob o viés da História Ambiental”, publicado originalmente em coautoria com a Professora Doutora Eunice S. Nodari nos Anais do XV Encontro Estadual de História “1964-2014: Memórias, Testemunhos e Estado”, 11 a 14 de agosto de 2014, UFSC, Florianópolis. Disponível em: http://www.encontro2014.sc.anpuh.org/resources/anais/31/1406297883_ARQUIVO_Agriculturacatarinenseemestadodeemergenciavfinal.pdf. Acesso em: 2 dez. 2017.
[2] Mestrando em História pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES.
[3] Estiagem deixa agricultura em estado de emergência. Diário Catarinense, Florianópolis, 15 dez. 1995, p. 1.
[4] Quadro demonstrativo. Diário Catarinense, Florianópolis, 15 dez. 1995, p. 24.
[5] Estiagem provoca estado de emergência em Tubarão. Diário Catarinense, Florianópolis, 15 dez. 1995, p. 24-25.
[6] Idem.
[7] SANTA CATARINA. Secretaria de Estado do Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente. Bacias Hidrográficas do Estado de Santa Catarina: Diagnóstico Geral. Florianópolis, SHR/MMA, 1997. p. 88
[8] Fenômeno. Diário Catarinense, Florianópolis, 17 de dez. 1995. p. 18.
[9] Este fenômeno denominado El Niño – Ocilação Sul (ENOS), apresenta-se em duas fazes opostas, conhecidas como El Niño e La Niña, que são caracterizados por anomalias de temperatura da superfície do mar, ocorridas na região equatorial do Oceano Pacífico. Os estudos relacionados com a fase fria do Pacífico equatorial e/ou eventos de La Niña, indicam uma tendência de queda no volume de precipitação no Sul do Brasil. Fonte: SACCO, Francine G. Configurações atmosféricas em eventos de estiagem de 2001 a 2006 na mesorregião Oeste Catarinense. 2010. Dissertação (Mestrado em Geografia) – Departamento de Pós-graduação em Geografia, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2010. p. 42.
[10] Técnicos avisam que as perdas são irreversíveis. Diário Catarinense, Florianópolis, 16 dez. 1995, p. 25.
[11] Vieira ataca importação de produtos agrícolas. Diário Catarinense, Florianópolis, 19 dez. 1995, p. 14.
[12] SOUZA, Admir Tadeo de. et. al. Síntese Anual da Agricultura de Santa Catarina. v.1. Florianópolis: Instituto Cepa/SC, 1996. p. 11.
[13] Governo dá crédito para o produtor. Diário Catarinense, Florianópolis, 18 dez. 1995, p. 28.
[14] Expressão usada para caracterizar o período de crise da agricultura catarinense na matéria intitulada Técnicos avisam que as perdas são irreversíveis. Diário Catarinense, Florianópolis, 16 dez. 1995, p. 25.
*Mestrando do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Santa Catarina e bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Bacharel e licenciado em História pela mesma instituição. Integrante do Laboratório de Imigração, Migração e História Ambiental (LABIMHA). Durante a graduação participou junto ao Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC/CNPq) dos projetos de pesquisa: Desastres ambientais e políticas públicas em Santa Catarina sob o viés da História Ambiental; e As Florestas com Araucárias no Cone Sul e a alteração das paisagens, ambos sob a orientação da professora Drª Eunice Sueli Nodari. Atualmente realiza pesquisas na área de história ambiental, principalmente a respeito da temática dos desastres socioambientais.
Contato: luisguilhermefagundes@gmail.com