18. Feijoa (Acca sellowiana): uma fruta que rendeu uma tese

Publicado 16/11/2018


Feijoa (Acca sellowiana): uma fruta que rendeu uma tese

*Samira P. Moretto

 

A feijoa, nome científico (Acca sellowiana), popularmente conhecida como feijoa ou goiabeira serrana é uma fruta brasileira e uruguaia, que necessita de apresentação nos próprios países de origem. O fruto da espécie Acca sellowiana recebeu o nome de goiabeira serrana no Brasil, por sua forma ser semelhante à goiaba comum, no entanto, a goiaba pertence a outro gênero – Psidium guajava L.. As semelhanças entre a feijoa (figura 01) e a goiaba (figura 02) são apenas nas propriedades fisiologicas exteriores dos frutos, como o tamanho e o aspecto.

O fruto da feijoa é oval e tem aproximadamente entre dois e seis centímetros de diâmetro. Sua casca é verde escura e a polpa é cor gelo com a textura gelatinosa. A casca da feijoa é bastante firme e espessa, principalmente nos frutos brasileiros, dificultando o consumo natural da mesma. No Uruguai, alguns frutos apresentam a casca mais macia, podendo esta parte também ser consumida.  O sabor da casca é adstringente, o que a faz ser menos quista que a polpa.

Fig.01 – Fruto da goiabeira-serrana: feijoas.  Fonte: Acervo da autora.

 

Fig. 02 -Goiaba Comum (Psidium guajava L.). Fonte: Acervo da autora.

 

A feijoa, foi tema da minha tese de doutorado[1], que se propôs a analisar o processo de disseminação e de domesticação dessa espécie. Na década de 1890 foi registrada a introdução da feijoa na França e, por um longo período, a espécie não foi valorizada ou estudada no país onde há sua maior área de ocorrência natural, o Brasil. A espécie recebeu maior atenção, por parte dos órgãos governamentais e agricultores no país, apenas no final no século XX, na década de 1980. No entanto, no exterior, vem sendo estudada e utilizada desde a sua introdução.

Os personagens principais desta história foi a feijoa e os diferentes grupos humanos que, em diversos países, se relacionaram com esta espécie. Seguindo os passos dos introdutores da feijoa, foi possível chegar à resposta de uma intrigante questão: Por que a feijoa foi estudada e aceita e alguns países e esteve durante tanto tempo no ostracismo em sua área de ocorrência natural?

Na tese, utilizei a metodologia da História Ambiental, que de acordo com Donald Worster é vista como um campo historiográfico que abrange “uma grande variedade de assuntos” agrupados em três conjuntos básicos de questões: os aspectos orgânicos e inorgânicos do meio ambiente; os diversos modos com que os povos utilizaram os recursos naturais; as percepções, mitos e valores éticos que indivíduos e sociedades estabeleceram com a natureza. Cada um desses níveis de pesquisa demanda formas específicas de análise e de relação com outras disciplinas[2].

Durante toda minha trajetória acadêmica, iniciada como bolsista de Iniciação Científica, aprendi sobre métodos de pesquisa e sobre a metodologia da História Ambiental. Participei do projeto desenvolvido pela professora Eunice Sueli Nodari, intitulado Araucária Símbolo do uma Era[3]. O objetivo da referida pesquisa foi investigar o processo histórico da devastação das Florestas de Araucária (Ombrófila Mista) no estado de Santa Catarina, do final do século XIX até o final do século XX, identificando as medidas e/ou ações tomadas para a preservação ou não do restante das mesmas. Os frutos destas pesquisas, com mais de três anos de duração, resultaram no meu trabalho de conclusão de curso, onde pude constatar que no município de Lages, paralelo à devastação, houve incentivos governamentais à agricultura no período de 1900 a 1960, alterando de forma irreversível a paisagem local.

As análises sobre a devastação da Floresta de araucária suscitaram a pergunta à qual busquei resposta: o que ocorreu com a área antes ocupada pela floresta e os grupos sociais que a exploraram, após o declínio da atividade madeireira? A resposta para esta inquietação foi dada com minha dissertação[4], onde pude perceber que após o processo de devastação, houve o reflorestamento. O foco de estudo, o município de Lages – localizado no planalto catarinense – apresentava-se, no início do século XX, coberto pela Floresta Ombrófila Mista e pelos Campos. Com a instalação de madeireiras na região, nas primeiras décadas do mesmo século, o processo de desmatamento aumentou. Pelo desmatamento acelerado, grande parte da cobertura florestal original de Lages foi extinta. Na década de 1960, iniciaram os primeiros projetos para reflorestar a região. O objetivo da dissertação foi analisar como ocorreu o processo de reflorestamento no município de Lages, entre as décadas de 1960 e 1990. O reflorestamento no planalto foi intensificado após a aprovação do Código Florestal de 1965. No caso de Lages, a espécie mais utilizada para reflorestar foi o Pinus spp, espécie exótica, preferível pelo seu rápido crescimento, mas atualmente classificada como prejudicial à floresta nativa e à biodiversidade local.

Este percurso fez com que algumas questões fossem elucidadas e outras conjecturadas. A floresta foi desmatada e, posteriormente, “reflorestada” com espécies exóticas, levando a fauna e a flora nativas a sucumbirem perante esta nova realidade. Além das espécies madeiráveis, esse ecossistema abrigava um complexo conjunto de outras espécies, como por exemplo, a feijoa.

Em abril de 2009, tive a oportunidade de participar do “I Workshop Sul-americano sobre Acca sellowiana”, realizada no município de São Joaquim – SC. O objetivo do encontro era analisar os avanços científicos e tecnológicos associados à conservação, caracterização, domesticação, manejo e utilização da espécie. No evento, estavam presentes diferentes profissionais do Brasil, Uruguai, Argentina e Nova Zelândia, que buscavam trocar informações a respeito da domesticação, disseminação e cultivo da feijoa nos referidos países. Nos três dias, foram apresentados trabalhos, onde hipóteses foram levantadas e resultados e discussões apresentados. As pesquisas a respeito da fisiologia da planta se mostraram bastante consistentes, entretanto algumas dúvidas pairavam nas questões relacionadas à domesticação e disseminação da feijoa.

Tais inquietudes, aliadas ao interesse a respeito de migrações de espécies vegetais, me fizeram aceitar o desafio de analisar o processo histórico da domesticação e da disseminação da feijoa. A pesquisa resultou na tese, defendida em agosto de 2014, que através da metodologia da Historia Ambiental analisa a complexa relação dos seres humanos com o meio natura, e no caso especifico, como a influência antrópica foi responsável pela disseminação e extinção de espécies vegetais. Seguir os rastros desta espécie não foi um trabalho fácil, nem tanto prático, mas foi extremamente prazeroso. A feijoa passou de desconhecida a uma espécie bastante visada e reconhecida, há muitas décadas, está presente em outros países como Estados Unidos da América, na Nova Zelândia, Argentina e na Colômbia.


[1] MORETTO, Samira Peruchi. A domesticação e a disseminação da feijoa (Acca sellowiana) do século XIX ao século XXI. 2014. 437 p. Tese (Doutorado) – Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Programa de Pós-Graduação em História, Florianópolis, 2014.

[2] WORSTER, D. Para fazer história ambiental. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 4, n. 8, pp. 198-215, 1991. p. 202.

[3] NODARI, Eunice (coord.) Projeto Araucária: Símbolo de uma Era – o Parque Nacional das Araucárias e a Estação Ecológica da Mata Preta. (2003-2010). Financiado pelo CNPq.

[4] MORETTO, Samira Peruchi. Remontando a floresta: a implementação do Pinus e as práticas de reflorestamento na região de Lages (1960 – 1990). 281 p. Dissertações (Mestrado) – Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Programa de Pós-Graduação em História, Florianópolis, 2010.


 

 

 

Samira Peruchi Moretto
Endereço: Universidade Federal da Fronteira Sul, Campus Chapecó. Rod. SC 484 Km 02, Bairro Fronteira Sul. 89801001 – Chapecó, SC – Brasil
Telefone: +55 48 999285410
Email: samira.moretto@uffs.edu.br
 
Professora Doutora da Universidade Federal da Fronteira Sul, curso de História e PPGH. Diretora da Associação Nacional dos Professores de História – Seção Santa Catarina/Anpuh-SC. Editora da Revista Fronteiras: Revista Catarinense de História. Coordenadora do GT de História Ambiental da Anpuh Brasil. Faz parte do Grupo de Pesquisa do CNPq: Laboratório de Imigração, Migração e História Ambiental, UFSC. Pesquisadora dos seguintes temas: História Ambiental, Domesticação e Introdução de espécies vegetais, Desmatamento, Reflorestamento e Conservação da Biodiversidade. Projetos de pesquisa como participante em andamento: Desbravando e transformando: as alterações ambientais no Oeste catarinense, nas décadas de 1960 a 1980 (Coordenadora); Dos vinhedos familiares às grandes empresas: a reconfiguração de paisagens no Brasil através da Vitivinicultura (Participante); O corredor da Soja no Cone Sul: uma história ambiental comparada (Participante). Organizadora da obra História ambiental e migrações: diálogos, 2017 e autora dos capítulos: Transformando a paisagem: uma história ambiental de Chapecó (2017); História Ambiental e as migrações no Reino Vegetal: a domesticação e a introdução de plantas (2017); História Ambiental no oeste catarinense: possibilidades e desafios (2017); Desmatar e reflorestar: a implementação do Pinus elliottii no planalto de Santa Catarina (2012); Made in Africa? A domesticação e aclimatação da mamona (Ricinus communis L.) no Brasil (2012).

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